15 outubro, 2010

Os mineiros do Chile e o Teatro dos Sentidos



Hoje eu queria falar de dois assuntos que chamaram a minha atenção esta semana e que sei lá porque, me pareceram similares, embora, aparentemente, não tenham relação entre si. .;o)

Os mineiros do Chile


Imagino que vocês estejam acompanhando o caso dos 33 mineiros que estavam soterrados no Chile, pois a história é manchete dos jornais há quase dois meses. Confesso que não estava muito por dentro dos detalhes, mas havia lido que o resgate seria próximo do Natal. No entanto, para minha surpresa, nesta última terça-feira, o resgate estava sendo transmitido ao vivo! No momento em que sintonizei a emissora, ela mostrava o resgate de Mário Sepúlveda, eleito pelos mineiros como porta-voz do grupo. Falante e entusiasmado, nem parecia que o homem tinha passado tanto tempo debaixo da terra. 



Foi bacana vê-lo entregar ao presidente do Chile, Sebastián Piñera, algumas pedras que trouxe de lembrança dos dias vividos a uma profundidade de 700 metros. Assim como também foi bacana ver o presidente abraçá-lo como se fossem velhos amigos. Nestas horas, acredito que até o mais frio dos homens torna-se solidário, pois se dá conta do quão  frágil é esta nossa vidinha.

Mas o que realmente me deixou impressionada não foi a felicidade geral da nação (rs), mas a tecnologia do resgate. Fiquei de queixo caído. Que gaiola era aquela? Como conseguiram chegar à tona em um cilindro com pouco mais de 50cm de diâmetro? E se um dos mineiros pesasse mais de 100kg? Como concluíram que aquela era a melhor maneira de resgatar os homens?

Tratei de ir à cata de informações sobre o caso e fiquei sabendo que a gaiola que tanto me intrigou, batizada de Fênix, foi construída especialmente para este resgate e nela havia tubo de oxigênio, microfone e alto-falante para a comunicação com o exterior.

Outra incógnita era:  como um grupo de 33 homens resiste por 60 dias, sem luz, vivendo num cubículo de 52 m2, com um calor de quase 40º? 



Organizando-se. Com a ajuda de psicólogos, os mineiros criaram uma rotina, considerada algo essencial para manter o moral dos homens alto. Várias providências foram tomadas, entre elas a instalação de uma iluminação artificial para simular o horário solar, a especificação de lugares para servir de banheiro, o lazer representado pelo jogo de dominó, os exercícios físicos etc. 

O papo com os parentes era limitado a um minuto apenas, porque muito conversê poderia debilitá-los psicologicamente (Fico imaginando que nem todos deviam estar exatamente morreeeendo de saudades das esposas. Algum devem ter até dado graças a Deus de ser apenas um minuto. rs).

As transmissões de imagem e voz, bem como o envio de alimentos, remédios, água e colchões infláveis eram feitas por uma fenda. Graças à ela os mineiros puderam assistir, inclusive, a um amistoso da seleção chilena de futebol.

A experiência dos caras é tão incrível que servirá de exemplo em um livro que a Nasa está escrevendo sobre este tipo de resgate.

O caso deles me remeteu a um outro, este sem final feliz, do submarino russo Kursk, que em 2000 afundou a 100m de profundidade com mais de 118 tripulantes a bordo. Sem rádio, telefone ou qualquer outro canal de comunicação, os tripulantes decidiram bater com o martelo na parte interna do casco do submarino, em código morse, numa tentativa de serem ouvidos por um sonar / radar. Infelizmente de nada adiantou. 

Na época os militares foram acusados de esconderem a gravidade da situação, pois só comunicaram o fato dois dias depois de ocorrido, adiando um resgate que talvez pudesse ter salvo algumas vidas. O fato do presidente Vladimir Putin não ter interrompido suas férias logo após saber do caso também colaborou para queimar ainda mais o filme da Rússia perante o mundo. 

Fico imaginando como é viver nestas situações extremas, quando temos de descobrir, rapidamente, o que fazer para sobreviver. Acredito que muitas de nossas crenças e paradigmas vão para o espaço em momentos assim. E se sobrevivemos, creio que seria quase impossível não ver o mundo de forma diferente, pois dificilmente alguém volta o mesmo de situações como estas.


O Teatro dos Sentidos

Um outro assunto sobre o qual gostaria de comentar é sobre uma experiência da qual participei no último final de semana.

Trata-se de um espetáculo onde somos privados da visão em troca de explorar melhor os outros sentidos: audição, olfato, tato. Perceber as coisas de outro jeito. Esta é a proposta do Teatro dos Sentidos,  que, infelizmente,  só ficou em cartaz por um final de semana (na Caixa Cultural).

O projeto, que tem como base o teatro para os deficientes visuais do Instituto Benjamin Constant, prevê também, a audiência de um público que enxerga. Mas para assistir ao espetáculo este público obrigatoriamente tem de colocar uma venda nos olhos, o que, ao mesmo tempo que o deixa vulnerável, desperta uma grande curiosidade.

É  curioso perceber como estar vendado durante um bom tempo muda o seu nível de conexão com o que está à sua volta. Ao contrário das peças convencionais, onde às vezes, do nada, no meio de um diálogo qualquer,  nos deparamos com pensamentos do tipo “Será que deixei a luz do banheiro ligada?” (rs) - a concentração aqui é muito maior.

A ideia de que mesmo privados da visão temos outros sentidos à nossa disposição é muito bem explorada durante a peça. Para se ter uma ideia, em uma das cenas, por exemplo, sentimos respingos de água durante a narração de uma tempestade, em outra os atores nos dão pipoca para comer e por aí vai. Em vários momentos os atores representam à nossa volta, fazendo com que nos sintamos mais do que meros espectadores, quase  que como personagens do enredo.

Em tempos de ultra super hiper conectividade, ter a oportunidade de voltar a ter contato com a nossa percepção primitiva das coisas já merece nota 10. Se experiências como estas fossem mais frequentes, acabaríamos percebendo o quanto estamos desconectados do mundo como ele realmente é e conectados à ideia que temos dele.

Talvez a crônica de hoje pareça meio filosofia barata de botequim - e vai ver  que é mesmo. (rs), mas o fato de assistir ao quase milagre que foi o resgate dos mineiros  e participar de uma experiência onde fui privada da minha visão me fez parar pra pensar nestas coisas. Portanto me desculpem se os pensamentos de hoje não chegaram a ser tão profundos quanto a mina chilena, ok? ;o))

Blog do Teatro dos Sentidos: http://www.teatrodossentidos.blogspot.com 

(Outras impressões sobre o Teatro dos Sentidos podem ser lidas no blog Entre Panelas, da Hilda Armstrong: http://migre.me/1x57B )



 

7 comentários:

  1. OLá! Sou uma das provocadoras do teatro dos sentidos. Fico muito feliz de saber que você apreciou o espetáculo. Obrigada pela crônica e por ter compartilhado a sua experiência com os leitores. Beijos

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  2. Apesar do exagêro da Mídia "sensacionalista" o que valeu foi mesmo o básico, o sentido maior do resgate - a vida que se respeita. O abraço do Presidente é altamente discutível, simplesmente por se tratar de um político, transmissão "ao vivo" é coisa oportunista ( não acredito que a produziriam sem intervalos comerciais e audiência + que previsivel)e só faltou a dramatização em pequenos episódios, que, tenho certeza, passou pela cabeça dos executivos das Redes...
    Porém valeu. Nem precisa de vendas nos olhos como no Teatro dos Sentidos, basta "sacar" - e principalmente, não esquecer - que a vida pode "ser soterrada" num único momento...E ai, nada é maior do que a solidariedade...
    A tecnologia não precisa matar, não é?...Emociona e dignifica, infinitamente maior e melhor, quando usada para fazer valer o sentido da vida...

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  3. Pois eu adorei estes teus pensamentos "mineiros", amiga. (risos)
    O resgate foi mesmo emocionante e é indiscutível que quem passa por situações extremas como esta, tem muito para refletir. Se nós paramos para pensar, imagine quem esteve lá.
    O Teatro dos Sentidos deve ser uma experiência e tanto. A gente se esquece de MUITA coisa importante no nosso dia a dia, como por exemplo, enxergar.
    Bjs e parabéns!

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  4. Muito pertinente o seu post, darling. Obrigado por nos prestigiar e fazer parte desta experiência, única, que É o TEATRO DOS SENTIDOS.
    Bjos!

    Igo Ribeiro (o comandante)

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  5. Que bom que conseguimos tocar vc dessa forma....muito obrigado e um grande abraço. Hélio Valente, percussão.

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  6. ...quão frágil é esta nossa vidinha.
    Este trecho, querida amiga, para mim diz tudo.
    No primeiro caso, tenho certeza que mesmo os que adorariam ter férias de suas esposas, devem ter sentido falta de cada pentelhaçãozinha vivida com elas. E o espetáculo produzido pelo Teatro dos Sentidos me causa emoção, pois tenho uma amiga, cuja profissão é editora, que ficou totalmente cega aos 52 anos de idade. Imagine o que é ter que readaptar sua vida utilizando apenas a percepção primitva. Por isto, não vejo como filosofia barata de botequim e considero este assunto uma oportunidade para reflexão. Estou chegando aos 50 anos e me sinto segura sem pensar que é apenas filosofia barata, que o ser humano, ainda precisa aprender a viver a vida no presente com mais intensidade.

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